20110101

Homem Descalço

Vai descalço pela rua fora,
sozinho sem a quem olhar.

O homem que tudo vê
e não sabe olhar,
não é cego ou doente,
mas não sabe parar...

Parar no tempo,
viver a atenção,
beber os instantes,
sentir emoção.

O homem continua,
mas em vão,
olha os seus pés
descalços no chão.

Que pena esqueceres-te
do vento,
do sol,
da bela calçada
que tanto pisas...
Num relance verias
que a teu lado
passa um homem sem camisa.
Verias uma criança despida,
ao relento que salta aflita,
para parar o vento.

Homem descalço,
vagueias errante
nesta teia,
nesta cidade,
que não te larga.
Não olhes,
mas vê os teus semelhantes,
que morrendo de frio
por culpa de uma idílica geada,
queriam os pés descalços,
em vez da camisa rasgada.

20101022

Ser

"Olá, eu sou a Ana." disse eu. Mas não disse mais nada porque tinha medo de sair desiludida duma situação em que me mostraria ao Outro.
A verdade é que eu podia ter tido a melhor das conversas com aquela pessoa, com quem falei hoje de manhã. Podia ter sido a conversa mais filosófica e mais importante da minha vida, mas essa conversa não aconteceu porque a minha mente tinha medo da reacção que o Outro iria ter.
Muitas das vezes é isso que acontece... um corpo em carne e osso aproxima-se da minha zona de conforto, cumprimenta-me, é simpático e minha mente acciona-se: "Tenho que ser simpática, até agradável, mas aquela pessoa nunca me irá conhecer. Simplesmente não pode porque é arriscado demais".
Mas porquê tanto medo? O que me faz pensar que não é normal partilhar com o Outro a minha experiência e quem sou? Porque é que Nós somos assim?
Porque somos... é tão simples e intuitivo: temos que nos proteger, mesmo que isso custe-nos a maior realização da nossa vida.

Quem eu sou, quem eu fui

Quem eu sou, quem fui,
está longe no horizonte,
perdi-me, esqueci-me?
Ou nunca soube?

Quem sou, quem fui,
escondeu-se num poço,
e luta pela Liberdade
sem saber o que Ela é.

Quem sou, quem fui,
viu-se ao espelho e parou,
pensou reconhecer-se
mas foi o cérebro que se enganou.

Quem sou, quem fui,
ouve o tempo a passar,
num relogio silencioso,
que finge fazer tic-tac.

Quem sou, quem fui,
olha ao longe,
sem olhar....
nada vê,
então onde está o Mundo?
Está onde Ele não está.

20101003

A Mim

Pensei que tivesse crescido,
que era dona de mim,
que sorria quando queria
e não tinha medo que fosse assim.

Pensei que sabia quem era,
que haviam verdadeiras desilusões,
que a vida era uma linha recta
sem sustos e abanões.

Pensei que conhecia o Mundo,
a dificuldade que ele guarda,
mas que a felicidade existia
e outra coisa não me esperava.

Pensei que sonhava nesta realidade,
e que isso era normal,
mas eu inocente me engava
na minha realidade ideal.

20100907

Memória

Na memória, sempre,
somos jovens eternamente,
criamos e desfiguramos o tempo.

Matamo-nos docemente
com a nossa calma inocente
e não esperamos ou acreditamos
para lá do momento.

Viver é tão fácil
quando amamos a vida,
é como sorrir ao lembrar
a memória de uma Primavera perdida.

20100903

Hoje começa tudo outra vez: os raios de luz solar iluminam a Terra.
Todos os dias podem ser o começo de um livro, o culminar de uma obra de arte, a descoberta do mistério mais escondido. Todos os dias podemos voltar a nascer e desculparmos quem fomos no dia anterior.

20100411

A Morte da Dor

O que há para sentir de mau?
Chuva fria em pele quente,
num dia enlouquente,
em que me quero matar.

A chuva fria, tão fria,
obriga-me a ficar,
a olhar o céu encoberto
tão feio, tão único,
horrivelmente belo.

Tu, só tu,
que me manténs aqui,
tu que eu desconheço,
mas é dos teus ossos,
da tua pele,
e dos teus olhos cor de mel
que de amores padeço.

Amor, amor...
o sentir no seu esplendor,
amor abrasador
que matas o frio
desta chuva de dor.