20080427

Endeixas


Não me cantes um fado, não marques o vazio que trespaça este silêncio. Julga-me apenas... necessito que me julgues pelos males ou bens que te faço. Ardo por dentro, sabendo que te susurram as endeixas dos enganos admitidos pelos teus ouvidos. Porque ouves essas pequenas vozes mantidas por ti? Apenas roubam o lugar de tantos outros que não ouves. Deixa-as libertar os segredos mal encrostados no teu peito, deixa-as descoser os pensamentos pegados ao teu subconsciente ocupado. Deixa-me ocupá-lo por ti. Deixa-as gritar os enganos, os enganos que criás-te durante a ilusão que torna o amor tão ficticio. Deixa-as gritar, porque eu preciso de as ouvir, de as perceber, de as fazer desaparecer. Por vezes questiono o céu se serei eu a criadora de tais endeixas, que perpetuam caoticas no teu ser inconstante. Talvez... Leva-me tudo isto a dizer que vivemos todos nos enganos que arrastamos, nos enganos que criamos, enganos esses que tornam possivel a vida e a inconstancia de cada um. Sei que nunca vou perder os meus enganos, e espero que tu nunca percas os teus, pois foi por esses enganos que tornaram possivel a minha admiração pela maior das insconstancias, a tua.

20080421

O que resta de nós


Pedaços de tempo, pedaços de nada, pedaços de relento, arrancados da chuva macerada. As unhas pintadas e cabelos lustrosos, as nossas bonitas caras disfarçadas e os meus carnudos labios enganosos. A noite caida sobre os teus ombros, um adeus que tentamos ignorar, as horas que permanecem em sonhos e a vontade de nunca te largar. Sei que a tua mão afasta-se, mas o teu peito aproxima-se, roubei-to ao entardecer, na esperança de adiar o amanhecer.

20080417

Palavras não chegam para te amar...


Vejo luzes, vejo olhares, vejo ponteiros de relogios apressados . Vejo-te, a ti, expectante, decidido, dono do mundo a teu pés. A chuva continua a cair pelos teus ombros, encharcando tudo em ti ao seu alcance. Tu, na tua marcha despreocupada e imponente, pareces ser o unico resistente a um mal que faz todos à tua volta correrem para qualquer que seja o abrigo. Aproximas-te cada vez mais, fazes-me sentir a tua presença, a irreverência do teu rosto, da tua atitude, do teu movimento, imposto a todos os outros humanos ordinários que te rodeiam. Como que sem querer, alargas o tempo com todo o teu ser. Diriges-me o teu olhar e como se fosse capricho de um sonho, pões o mundo a girar à tua volta num momento interminavel, que adia um outro momento, o momento em que me agarras nos teus braços. Não consigo aguentar, sufoca-me esta espera impiedosa, não aguento mais, preciso de sentir o teu abraço quente, que me faz esquecer a chuva fria que gela todos os recantos do meu corpo.

20080416

Sentimentos da cidade




Sapatos gastos pelo tempo, bocas secas pelo vento, copos vazios acompanhados de olhares cansados que não se querem cruzar com ninguem. Sentimentos espalhados por papeis em forma de palavras. Sonhos que espiraram a validade e levaram com eles a vontade de continuar a viver. Homens velhos que lamentam a sua juventude, os barulhos apressados de gente que se dirige para o nada. Adolescentes apaixonados que se beijam a cada esquina, crianças incansaveis que não temem pela vida. Portas que se abrem e fecham repetidamente. Carros barulhentos, transito provocado pelas massas. Pernas altas, pernas baixas, pernas cansadas, pernas boas... todas se cruzam numa marcha que se repete todos os dias. Vidas felizes, vidas frustradas... apaixonados que tentam a sua sorte. Rejeiçao, saudade, desejo, inconsciencia, preocupaçao... vontades e sentimentos guardados pelas ruas da cidade.

20080413

Gostava que o vento levasse com ele


Gostava que o vento levasse com ele,
as palavras perdidas que estão sobre a minha pele,
que levasse o mundo e a razão,
e só deixasse os teus olhos cor de mel.
Pedirte-ia que ficasses comigo então,
e que ignorasses as caprichos da minha podridão.
Tudo quereria dar-te,
e aqenas o nada saberia como te dar,
a verdade que ficaria perdida,
cançarte-ias de me amar?
talvez... depois recordaria o que era beijar-te,
e olharia os teus olhos numa ultima despedida,
lembraria mais uma vez ao mundo o que e' morrer esquecida.

Não sei se é capricho do corpo ou da alma



Para onde fui eu? para o perto que fica tão longe do meu ser. É isso que sou, um corpo e uma mente separados pela distância da incompreenção. Uma alma perdida num supulcro de pensamentos que foram esquecidos no complexo da sua inutilidade. Um esquecimento já mais lembrado, abandonado á mercê do engano. A dor perdida no meio de tantos corações, fábricas de sentimentos sem objectivos leais. Uma constatação de factos, um segredo repleto de medos, um conjunto de dedos sujeitos á subjectividade de uma mente. Olhos aparentemente serenos que não querem mostrar a insanidade permanente em que vivem, caoticos na sua existência. O exterior, de um interior nunca revelado. Mas sei que respiro, sei que penso e sei que acima de tudo tento, tento ter tudo, mesmo aquilo que em situação alguma terei. Sinto latente no peito, o bater do coração, que lá do fundo apenas mantem viva a vontade de sentir... a vontade de ser humana, a vontade de te ter.

20080412

Lisboa menina e moça ...


Tão languidamente congestionada estava mais uma vez a Rua da Lapa, num frenesim de carros que ai por volta das sete e tal, a tão bem dita hora de ponta, iam desaparecer. O movimento inestético que confere à cidade de Lisboa um tal abandono nocturno, que apenas deixa reservado a algumas zonas da cidade o gosto de usufruir do desfile de transeuntes por horas que se estendem pela noite dentro. Chamem-lhe o que quiserem, a cultura que já não dita à cidade originalidade nacional e desmotiva um certo valor social e vontade de libertar dentro de cada um que a habita, o despender do bolsinho das moedas em prol da dignidade da arte. Talvez seja até o sussurrar distante das varandas enferrujadas pelo tempo, que gritam a injustiça da velhice e o crime da falta da renovação. São os edifícios outrora esplendorosos, que conservam a sua arquitectura peculiar, deixando no sangue dos que cá estiveram, a vontade de cá voltar. É o fado de uma cidade meia esquecida, reservada aos caprichos de donos de escritórios da periferia insana. “Já não sabem o que é a revista” é capaz de dizer ali a vizinha da Madragoa, que passa os seus dias especada, olhando a rua meia cheia ora meia vazia, moendo a falta de jeito para ocupar as horas vagas e a recordação de uma outra Lisboa menina de que tanto fala. Molhos de rosas e cravos vendidos nas praças varridas pelo vento tardio da Graça, as retrosarias refinadas, que deixaram-se passar pelas lojas de roupa da tanto falada globalização, sozinhas e com freguesia já bem conhecida de há uns tantos anos arrastam-se nas compridas ruas da Baixa conformadas com os dias de melhora que nunca chegarão, uma toda desfiguração da Lisboa menina e moça que deu lugar a uma Lisboa velha e abandonada, esperando pelos próximos que a farão beijar o Tejo e a farão chorar um Fado ao som de uma boa guitarra portuguesa.

Vazio

Estou vazia,
não sei o que dizer,
já não sei onde ia,será porque está a chover?
É cobardia,
até preguiça,
culpar o tempo,
por tal injustiça.
Mais grave será,
culpar-te a ti,
queimar o tempo perdido,
por eu ser assim.

20080411

Bestiário

Chegaste sem avisar e deste-me permissão para criar um sonho. Eu, sem acreditar naquilo que via, deixei o coração bater com o passar do tempo. Imaginava parques e bancos de jardim, que mudavam de espaço, perfumava a casa e oferecia beijos ao ar, que misturavam o seu som com o oxigénio que respiro. Vivia a azáfama dos fluidos sentimentais, trancada num bestiário, rodeada de todos os outros prisioneiros, que esperavam que o destino tomasse conta da sua vida. Cega pela loucura deste sonho, não reconhecia as barreiras de tal prisão, e quando do lado de fora da jaula te vi a passar e percebi que não te podia agarrar entrei em pânico. Gritei, mas tu não ouviste, chorei, mas tu não sentiste as lágrimas que derramava, acenei, mas tu não reparaste. Finalmente, quando te vi contornar a esquina, apercebi-me que não valia apena, eu chorava por quem não me queria e tu estavas preso noutro bestiário, à espera de agarrar uma outra garça livre que se prendesse no teu olhar vago. Mais umas horas da minha vida que passei a pensar em alguém, horas como as outras, mais longas ou mais curtas, que poderiam ser passadas a fumar o charro, a olhar o Tejo, a falar do tempo ou quem sabe a olhar o céu. Só sei que apesar de tudo a desilusão doí e preferia percorrer esta cidade do teu lado e não ter que ver os casais, que felizes vêm o calmo Tejo, o único elemento deste quadro que leva na sua corrente o que sobrou deste sentimento, tumores cancerosos que gelam o meu sangue.