20101022

Ser

"Olá, eu sou a Ana." disse eu. Mas não disse mais nada porque tinha medo de sair desiludida duma situação em que me mostraria ao Outro.
A verdade é que eu podia ter tido a melhor das conversas com aquela pessoa, com quem falei hoje de manhã. Podia ter sido a conversa mais filosófica e mais importante da minha vida, mas essa conversa não aconteceu porque a minha mente tinha medo da reacção que o Outro iria ter.
Muitas das vezes é isso que acontece... um corpo em carne e osso aproxima-se da minha zona de conforto, cumprimenta-me, é simpático e minha mente acciona-se: "Tenho que ser simpática, até agradável, mas aquela pessoa nunca me irá conhecer. Simplesmente não pode porque é arriscado demais".
Mas porquê tanto medo? O que me faz pensar que não é normal partilhar com o Outro a minha experiência e quem sou? Porque é que Nós somos assim?
Porque somos... é tão simples e intuitivo: temos que nos proteger, mesmo que isso custe-nos a maior realização da nossa vida.

Quem eu sou, quem eu fui

Quem eu sou, quem fui,
está longe no horizonte,
perdi-me, esqueci-me?
Ou nunca soube?

Quem sou, quem fui,
escondeu-se num poço,
e luta pela Liberdade
sem saber o que Ela é.

Quem sou, quem fui,
viu-se ao espelho e parou,
pensou reconhecer-se
mas foi o cérebro que se enganou.

Quem sou, quem fui,
ouve o tempo a passar,
num relogio silencioso,
que finge fazer tic-tac.

Quem sou, quem fui,
olha ao longe,
sem olhar....
nada vê,
então onde está o Mundo?
Está onde Ele não está.

20101003

A Mim

Pensei que tivesse crescido,
que era dona de mim,
que sorria quando queria
e não tinha medo que fosse assim.

Pensei que sabia quem era,
que haviam verdadeiras desilusões,
que a vida era uma linha recta
sem sustos e abanões.

Pensei que conhecia o Mundo,
a dificuldade que ele guarda,
mas que a felicidade existia
e outra coisa não me esperava.

Pensei que sonhava nesta realidade,
e que isso era normal,
mas eu inocente me engava
na minha realidade ideal.

20100907

Memória

Na memória, sempre,
somos jovens eternamente,
criamos e desfiguramos o tempo.

Matamo-nos docemente
com a nossa calma inocente
e não esperamos ou acreditamos
para lá do momento.

Viver é tão fácil
quando amamos a vida,
é como sorrir ao lembrar
a memória de uma Primavera perdida.

20100903

Hoje começa tudo outra vez: os raios de luz solar iluminam a Terra.
Todos os dias podem ser o começo de um livro, o culminar de uma obra de arte, a descoberta do mistério mais escondido. Todos os dias podemos voltar a nascer e desculparmos quem fomos no dia anterior.

20100411

A Morte da Dor

O que há para sentir de mau?
Chuva fria em pele quente,
num dia enlouquente,
em que me quero matar.

A chuva fria, tão fria,
obriga-me a ficar,
a olhar o céu encoberto
tão feio, tão único,
horrivelmente belo.

Tu, só tu,
que me manténs aqui,
tu que eu desconheço,
mas é dos teus ossos,
da tua pele,
e dos teus olhos cor de mel
que de amores padeço.

Amor, amor...
o sentir no seu esplendor,
amor abrasador
que matas o frio
desta chuva de dor.

Voar no chão

Dança, dança,
com o piano,
avança, avança,
no meu olhar.

Salta, salta,
que espanto!
Voa, voa,
sem voar.

Bailarina és perfeita.
Nessa dança,
com a musica,
numa matança do entediar,
levas-me contigo
e eu nem saio do lugar.

20100217

Minha Doce Aranha

Uma aranha elegante
tece uma armadilha
no centro da minha mente errante.

Olha com malicia,
o meu neurónio a funcionar,
e pensa:
"Hm! Que delicia, era tragar as memórias que ele está a guardar...".

Meche-se vagarosamente,
mas não esconde a rapidez do seu olhar,
remata, docemente,
os cantos para nada falhar.

Espera pacientemente,
na sua calma brutal,
o momento certo,
que anseia e imagina
para cumprir a minha sina,
cometendo um pecado mortal.

E no crânio ecoa:

tick, tack,
tick, tack...