20081226

Um pouco de uma coisa qualquer

Arde a febre dos que tudo têm e nada pensam ter,
como uma chama que existe para me esconder.

Quando me liberta da sua palma,
esta chama que tudo consome,
leva-me a alma,
leva-te e some.

Oh! chama estática porque foges?
Como posso viver sem alma,
aqui neste paraíso de torpes?

O falso dilema

Sou um dilema eufemizado,
mais ou menos desvendado,
repetitivo e embelezado,
pelas balas da vida perdida.

Meia morta divago,
pelo pensamento envenenado,
pronto a ser desmembrado,
por uma faca esquecida.

Chateia-me a clareza,
quero-a manter encarcerada,
amordaçada,
disfarçada por uma vida ridícula.

20081120

Nudez

Olha-me, estou nua
por dentro e por fora.
Agarra-me, sou tua
agora e na próxima hora.

Fecha os olhos e agora,
dita todos os meus pormenores,
grita as alegrias e os horrores,
que a minha alma chora.

Não peço que esqueças o paraíso,
não espero nada em troca,
mas lembra-te do sorriso
que esconde esta vida já morta.

20081117

Triste Olhar de Vidro

Triste olhar de vidro,
que escondes a minha alma,
tão frágil tu és.

Choro de timbre indefinido,
derramas tu para a minha palma,
fixas-me da cabeça aos pés.

Triste olhar de vidro,
tão sério e obsecado,
por essa imagem inversa,
que criei do meu passado.

Triste olhar de vidro,
que estás tão parado,
liberta a mágoa
do tempo facetado.

20080928

Vem ai uma carga d'água

Grita-me de trás da esquina,
grita alto que detesto este aperto,
sentir o vazio tão perto
da minha fome indigna.

Vem rápido, que a fome avança.
Agarra-me tu, que eu me abandonei.
Mata esta voz que já não alcança
todas as flores que enterrei.

Aproxima-se a noite das chuvas,
já não virás na tua pressa,
endireitar as curvas,
que dobrei como promessa.

20080922

Três minutos no meio do Saldanha

Enrolei as mãos pelos pés,
passei de bípede
a uma mancha no chão.

Passam-me por cima estas ralés
como se o medo desse sede,
começam a fugir para não me darem a mão.

Fujam todos! Levem o vosso coração,
prefiro estar aqui estatelada,
a ser confundida na multidão.

20080915

Necrofagia mental.

Ouço a mesma musica repetidamente. Ao seu ritmo, ela conta o tempo que prende a minha mente envolta nos cordeis. Continua sempre igual na sua caminhada, mas eu quero ficar aqui. Já estou cansada e sei que amanhã mais cansada ficarei.
Ontem estava sol e as nuvens arrastavam-se brancas e pálidas num movimento preguiçoso. Sabia tão bem ver o céu daqui ontem.
Então foi quando achei o meu corpo abandonado numa vala, meio morto como o deixei. Pu-lo em cima duma maca que estava à entrada do parque e lá fui eu e o meu corpo, a rolarmos os dois rua abaixo em direção ao mar.
A areia estava tão áspera que massajava os meus pés. Deitei-me e adormeci. Sonhei com pessoas. No meu sonho o mundo tinha asas mas não sabia voar. As pessoas que o habitavam nasciam do chão como rabanetes e os pássaros por vezes comiam os seus encefalos quando elas não eram arrancadas do chão já maduras.
Acordei. A maré tinha-se aproximado dos meus pés com vontade de me afogar. Pena não ter ficado no sonho, à espera que viesse um pintassilgo mordiscar-me o pensamento.

20080908

O poeta apenas sonha

Aqui está o pensamento de um amigo. Achei bonito e como não nunca tinha postado nada parecido sobre o assunto achei por bem partilhar com todos. Obrigada João :D
Ouvi uma vez dizer que o sonho é a reflexão da imperfeição do Homem, é o divagar por um mundo ideal, um mundo complementar, que nos faz falta, que nos causa uma sensação de viagem e busca por algo que nos torna incompletos, que nos torna imperfeitos.

Quis uma vez dizer que era imperfeito, que era sonhador...e que sinceramente, gostava de não ter esta capacidade de sonhar, porque seria alguém que não teria defeitos, não teria contras, não sonharia no melhor, porque já teria o melhor, seria então perfeito.

Disseram-me uma vez que sonhando, todo o Homem se tornaria poeta, respondi então que eu, tal como toda a população do mundo, era poeta...pensei um pouco...porque todo o rapaz e rapariga, marido e mulher, criança e idoso, médico e agricultor, africano e europeu, porque todo o Homem sonha, apenas porque não existem perfeitos ou deuses, existem Homens.

Agora digo eu, a perfeição é impossível...porque apesar de um dia termos apenas valores, termos riscado todos os defeitos, concretizado tudo o que sonhamos hoje...faltaría-nos algo, faltaría-nos o divagar, a poesia...o sonho simplesmente.
João Miguel

20080901

Triste Beleza

Rima o poema,
chora o poeta,
estupida tristeza,
que escrita fica tão bela.

Tanto papel borrado,
dizeres sentidos,
o coração amarrotado,
vários minutos perdidos.

Mas quem ouve estas lágrimas?
Ouvidos pesados enegracidos,
deixam derramadas lástimas,
que ignoram os meus pedidos.

20080824

Morte do poema

Esqueci os dias que passaram
Esqueci tudo sem querer,
e tinha uma esperança que ao esquecer
o mundo iria-se desfazer.
Tentei deixar a alma abandonada,
o corpo morto no chão,
a vida pendurada voltou,
caiu-me pesada nas mãos.
Sem volta a dar num retroceder sem fim
o vento apasiguou os meus olhos
a minha alma partiu sem mim.
Passaram-se horas,
dias de esquecimento,
momentos iguais
resumidos num só pensamento.
Mágoas de arrependimento
envoltas em aluminio de cozinha,
comi eu em Lisboa citadina
estendida no cimento.
Depois o betão e a gravilha
encheram-me até à garganta
lembrei-me então que era filha
da minha mãe que se ataranta.
Só posso ser filha de Homem
e bastarda de Deus,
mulher das insónias
praticante do Adeus.

20080819

Estrabismo amoroso

Arranca-me as unhas,
os olhos e a pele...
Tira-me tudo o que me liga a este mundo.
Devolve-me a Terra,
arranca-me o pudor,
quero apenas sentir os teus ossos,
descobrir o amor.
Leva-me onde quiseres,
dá-me o que puderes,
não mudes o mundo por mim,
nem se quer o que dele resta.
Dá-me a tua mão e esquece...
esquece o que eramos para o mundo,
esquece o que tinhamos.
Agora somos nada para o redor,
e tudo o que temos.
Estamos livres do mal
e de tudo o que tememos.
Neste instante nascemos.
Diz-me agora,
sem armas, defesas,
pele, unhas e olhos,
se ainda me sentes
junto das tuas entrenhas,
junto dos teus despidos ossos.

20080805

Fuzilados pelo Tempo

Peço desculpa aos leitores do meu medíocre blog. Tenho escrito bastante, no entanto temo que os meus textos não sejam sufecientemente apeteciveis para os vossos exigentes padrões. Este pareceu-me apropriado. Apesar de ser longo, lê-se bem. Foi apenas uma maneira que arrangei para reflectir sobre a vida e o tempo que gasto. Deliciem-se, e se não for o caso, sejam severos com os comentários !


O cão não se fartava de ladrar. Esganiçava-se como se não houvesse amanhã. Cuspia a saliva grotesca pelas finas fendas dos seus dentes afiados. O seu dono, familiarizado com a situação, olhava as nuvens desinteressado enquanto segurava a trela do cão.
- Olhe, desculpe. Talvez o cão queira alguma coisa, não acha? Torna-se um bocado incomodativo ouvir tão estridente ladrar. – Indagou alguém que depois de um passeio se decidiu sentar no banco tangente ao dono do cão.
- São chagas da vida. Também eu gostava que as nuvens falassem comigo, mas elas não falam. Em vez disso tenho o cão, que me preenche o vazio do silêncio. – Comentou o dono do cão, com um pesar amargurado de quem foi esquecido pelo mundo.
- Não diga isso, imagine-se você com 86 anos num banco de jardim como este. O que acha que vai pensar? Sabe, só vive no silêncio quem pede para assim viver. Você deve estar na flor da idade, pelo menos as rugas não se denunciam. Não acredita que ainda tem muito para viver? Pois olhe que tem, nem que sejam umas míseras horas até ao amanhecer. Olhe para mim, ainda ontem estava sentado a brincar com o meu irmão e desleixei-me no tempo. Quando dei por mim, já metade da vida se tinha passado. - Ditou o senhor alagado de nostalgia no olhar.
- Todos nós dizemos ao próximo o quanto não aproveitámos, alertamos para o desperdício. Mas quando somos novos nunca sentimos o efeito do desperdício, não temos medo de desperdiçar. O arrependimento é sinal de velhice. E eu, aos 25 anos já conheci essa sensação. Agora, sentido-me velho, perdi a vontade de gritar, de esperançar pela minha liberdade. – Disse o rapaz, ainda segurando o cão, mas sentado no banco ao lado do senhor.
- Rapaz, somos todos seres sem sentido. Nascemos e morremos sem saber bem porquê. Vivemos assolados de perguntas, muitas para as quais nem vamos ter respostas no final. Mas o grande mérito está em conseguir no meio disso tudo, arranjar espaço para viver. – Disse o senhor com os olhos postos no horizonte.
- Não passa por isso. Já há muito tempo esqueci as perguntas, quanto mais pedir as respostas. Esqueci-me de viver, julguei que o mundo vinha ter comigo e agora sinto todos os dias ao acordar o peso da solidão recostada nos meus ombros. Não estimei o que tinha. Ignorei as pessoas que me amavam e perdias de vez. – Continuou o rapaz. – Perdi o meu pai para uma cama e um ventilador e a minha mãe para a insanidade. Estão os dois fechados num hospital do qual não terão oportunidade de sair.
- Nestes únicos 86 anos que vivi não guardei arrependimentos. Não por nunca os ter tido, mas porque me livrei deles. Senti a raiva da dor, quando descobri que tinha um aneurisma e que poderia ser arrancado do mundo a qualquer momento. Quase que fui obrigado a deixar de sentir dor para que a meu instável cérebro não pudesse explodir de ansiedade. Percebi que mais valia viver um dia de cada vez, que viver um último dia e ser morto pela ansiedade de saber se vou viver o dia de amanhã. Aprendi a viver. Só tenho pena de o ter aprendido tão tarde. Agora já não há tanta emoção e vontade de vencer o mundo, como havia aos 25 anos. – Formulou o senhor calmo e sereno, como suspiros lentos de um vento levado para norte.
- Os dias passam e não me dizem nada, apenas me fazem avistar mais uma visita àquele velho e enferrujado hospital. Já tenho o cheiro de doença entranhado nas narinas. Tenho a casa vazia e estudos deixados a meio. As mulheres já não me excitam e como outrora acontecia, já não me fazem sonhar. Não tenho expectativas com ninguém. Já não espero nada de ninguém. Cansei-me de tudo. Das janelas sujas, das batas brancas, das notícias de piorias… – acabou por se calar. O sol começava a esgotar-se por detrás das colinas e a noite espreitava por um nicho de céu.
- Somos pequenas grandes criaturas que acabam por vencer as expectativas pessoais. Espero que um dia venças o mundo, como eu o venci. Todos merecemos vencê-lo. Estou farto de ver os jovens caírem como soldados abatidos nas trincheiras. O sol é grande e os seus raios são suficientes para iluminar todos nós. Olha o sol, esquece Deus e segue o que quer que seja o teu caminho. Não esperes mais por ninguém. – Acrescentou o senhor.
Olharam, os dois, o lago que estava à sua frente, um espelho de água cristalino onde em lufadas se passeavam os patos altivos. Não se viram lágrimas, sorrisos, ou gritos de louvor, de alegria ou de tristeza. Viram-se apenas dois pares de olhos diferentes. Uns gastos pelo tempo, esperando morrer. Outros procurando respostas para o tempo que viria. Olhos inertes, desconhecidos, esgazeados pelo mundo.

20080604

Desinteresse






Há algo que me incomoda tanto. “Dói-me a testa”, digo desinteressada. A testa não me dói, nem os pés, nem os braços, nem a pernas me iriam doer por mais que corresse. A testa, as pernas, os braços… são os membros que culpo por estar viva. A desculpa mais esfarrapada para justificar uma tamanha falta de interesse.
O desinteresse começou desde sempre a preencher o meu rasto. Sentia-me sempre engripada, com uma vontade de ficar quieta a olhar para o ar. Todos os dias me sentia assim, doente, infectada por uma epidemia que parecia ter nascido comigo.
“Está sol, está calor, há uma praia lá em baixo. Tenho mesmo que me levantar? Acho que não, sinto-me doente” pensava eu no auge das férias de verão. Então foi que num dia de verão, sem febre ou hipótese de estar doente que olhei para trás. Decidi olhar o meu rasto, e verifiquei que era culpa do desinteresse que me perseguia, que se mantinha agarrado á minha sombra por mais que eu o tentasse afastar.
Tentei tudo, televisões, chás, dar saltos, sorrir, viajar, sonhar… tentei tanto. Mas nunca consegui fazer desaparecer o chato do desinteresse.
O estúpido do desinteresse. O cabrão que deixa tudo tão indiferente. Esse tal invasor que me deixou tão pouco interessada em mim.
Só tenho pena que o desinteresse me faça perder tanto: que me roube o nascer do sol e o teu sorriso.

20080513

viver a escrever.


O sangue corre-me nas veias ansioso por chegar onde não pode e o meu corpo move-se como uma nota preparada para refazer uma melodia esquecida. Os meus olhos estão fechados. Sozinhos escondem a vontade reprimida de satisfazer um vício. “Foda-se para que é que cortas-te o cabelo?” pergunta a consciência, “Para não ter que o arrancar…” responde a boca.
Então apercebi-me que só queria escrever. Tinha medo que deixasses de me amar por não escrever. Foi por egoísmo necessário ou por vício que não quis parar de escrever. Apenas para não te perder, e ter um motivo sólido para te fazer ficar. Para te fazer perguntar por mim, pela parte mais interessante da existência: a fase de criação. Queria mostrar-te que sabia criar, que apesar da minha permanência num mundo sem sentido, tinha algo com que me preocupar. Tinha, aliás, continuo a achar necessário escrever. Escrever para ti e obrigar-te a ler o que no fundo são as malhas da minha alma.
Por outro lado, achei que no meio da minha constante incerteza, poderia ser esclarecedor escrever. Talvez chega-se a um ponto em que a minha incerteza se transformasse numa certeza. Tinha esperança que a escrita se tornasse numa auto-afirmação do meu pensamento distorcido.
Apesar de não ter concretizado as minhas expectativas, de não ter chegado a uma mínima conclusão, fiquei a conhecer melhor as minhas próprias incertezas. Peço desculpa, de facto cheguei a uma conclusão: a certeza que procurei na escrita encontrava-se sim na essência da vida. No experimentar, sentir e desfrutar. Na possibilidade de entender o que é amar-te.
Foi a partir daqui que percebi que escrever não iria concluir o acto de viver, mas sim a vida me daria motivos para escrever. A escrita é então no fundo um complemento, uma aquisição tardia que a vida nos dá a possibilidade de usufruir. E de facto é verdade, o poeta está acima dos homens, isso só porque um dia também foi homem e ser provido de vida.

20080506

Ontem, hoje e sempre...


ontem, hoje e sempre... tudo o que um dia era suposto desaparecer, acaba por ficar. O som do mundo desvanecido que antes ditava os desvaneios e os sentidos existenciais. O bem que triunfava sempre, os sonhos que acabavam por se concretizar... o que que era obrigatoriamente vencido, apagado, destruido pelas lagrimas de esforço dos herois do povo. A inocência pura que escondia nas suas costas os cancros desmesurados da sociedade, aquele aconchego que não dava lugar aos apertos que visitam o meu coração. O refugio da inexperiência. A verdade é que não havia nada que nos magoa-se e fingiamos orgulhosos, dizendo-nos fieis entendedores do mundo... e depois? Depois chegou a altura de aceitar a realidade exterior, as lágrimas e os tristes desaforos que achamos que vinham para ficar... e quando demos por nós, morriamos vezes sem conta todos os dias, dando voz a uma linguagem corporal, ainda por decifrar, que lutava por tudo o que criámos, voltando todas as vezes a ressuscitar-nos.


PS: Até eu ás vezes me perco no meio de tanta subjectividade...

20080504

BodyPartSeries



The eyes



The Lips



The Chin & the chest




The Hair


The Mouth

(Todas por Ana Valinhas)

Springs & Sky


"E pronto"

Lisabonna



"A view of Lisbon"

20080427

Endeixas


Não me cantes um fado, não marques o vazio que trespaça este silêncio. Julga-me apenas... necessito que me julgues pelos males ou bens que te faço. Ardo por dentro, sabendo que te susurram as endeixas dos enganos admitidos pelos teus ouvidos. Porque ouves essas pequenas vozes mantidas por ti? Apenas roubam o lugar de tantos outros que não ouves. Deixa-as libertar os segredos mal encrostados no teu peito, deixa-as descoser os pensamentos pegados ao teu subconsciente ocupado. Deixa-me ocupá-lo por ti. Deixa-as gritar os enganos, os enganos que criás-te durante a ilusão que torna o amor tão ficticio. Deixa-as gritar, porque eu preciso de as ouvir, de as perceber, de as fazer desaparecer. Por vezes questiono o céu se serei eu a criadora de tais endeixas, que perpetuam caoticas no teu ser inconstante. Talvez... Leva-me tudo isto a dizer que vivemos todos nos enganos que arrastamos, nos enganos que criamos, enganos esses que tornam possivel a vida e a inconstancia de cada um. Sei que nunca vou perder os meus enganos, e espero que tu nunca percas os teus, pois foi por esses enganos que tornaram possivel a minha admiração pela maior das insconstancias, a tua.

20080421

O que resta de nós


Pedaços de tempo, pedaços de nada, pedaços de relento, arrancados da chuva macerada. As unhas pintadas e cabelos lustrosos, as nossas bonitas caras disfarçadas e os meus carnudos labios enganosos. A noite caida sobre os teus ombros, um adeus que tentamos ignorar, as horas que permanecem em sonhos e a vontade de nunca te largar. Sei que a tua mão afasta-se, mas o teu peito aproxima-se, roubei-to ao entardecer, na esperança de adiar o amanhecer.

20080417

Palavras não chegam para te amar...


Vejo luzes, vejo olhares, vejo ponteiros de relogios apressados . Vejo-te, a ti, expectante, decidido, dono do mundo a teu pés. A chuva continua a cair pelos teus ombros, encharcando tudo em ti ao seu alcance. Tu, na tua marcha despreocupada e imponente, pareces ser o unico resistente a um mal que faz todos à tua volta correrem para qualquer que seja o abrigo. Aproximas-te cada vez mais, fazes-me sentir a tua presença, a irreverência do teu rosto, da tua atitude, do teu movimento, imposto a todos os outros humanos ordinários que te rodeiam. Como que sem querer, alargas o tempo com todo o teu ser. Diriges-me o teu olhar e como se fosse capricho de um sonho, pões o mundo a girar à tua volta num momento interminavel, que adia um outro momento, o momento em que me agarras nos teus braços. Não consigo aguentar, sufoca-me esta espera impiedosa, não aguento mais, preciso de sentir o teu abraço quente, que me faz esquecer a chuva fria que gela todos os recantos do meu corpo.

20080416

Sentimentos da cidade




Sapatos gastos pelo tempo, bocas secas pelo vento, copos vazios acompanhados de olhares cansados que não se querem cruzar com ninguem. Sentimentos espalhados por papeis em forma de palavras. Sonhos que espiraram a validade e levaram com eles a vontade de continuar a viver. Homens velhos que lamentam a sua juventude, os barulhos apressados de gente que se dirige para o nada. Adolescentes apaixonados que se beijam a cada esquina, crianças incansaveis que não temem pela vida. Portas que se abrem e fecham repetidamente. Carros barulhentos, transito provocado pelas massas. Pernas altas, pernas baixas, pernas cansadas, pernas boas... todas se cruzam numa marcha que se repete todos os dias. Vidas felizes, vidas frustradas... apaixonados que tentam a sua sorte. Rejeiçao, saudade, desejo, inconsciencia, preocupaçao... vontades e sentimentos guardados pelas ruas da cidade.

20080413

Gostava que o vento levasse com ele


Gostava que o vento levasse com ele,
as palavras perdidas que estão sobre a minha pele,
que levasse o mundo e a razão,
e só deixasse os teus olhos cor de mel.
Pedirte-ia que ficasses comigo então,
e que ignorasses as caprichos da minha podridão.
Tudo quereria dar-te,
e aqenas o nada saberia como te dar,
a verdade que ficaria perdida,
cançarte-ias de me amar?
talvez... depois recordaria o que era beijar-te,
e olharia os teus olhos numa ultima despedida,
lembraria mais uma vez ao mundo o que e' morrer esquecida.

Não sei se é capricho do corpo ou da alma



Para onde fui eu? para o perto que fica tão longe do meu ser. É isso que sou, um corpo e uma mente separados pela distância da incompreenção. Uma alma perdida num supulcro de pensamentos que foram esquecidos no complexo da sua inutilidade. Um esquecimento já mais lembrado, abandonado á mercê do engano. A dor perdida no meio de tantos corações, fábricas de sentimentos sem objectivos leais. Uma constatação de factos, um segredo repleto de medos, um conjunto de dedos sujeitos á subjectividade de uma mente. Olhos aparentemente serenos que não querem mostrar a insanidade permanente em que vivem, caoticos na sua existência. O exterior, de um interior nunca revelado. Mas sei que respiro, sei que penso e sei que acima de tudo tento, tento ter tudo, mesmo aquilo que em situação alguma terei. Sinto latente no peito, o bater do coração, que lá do fundo apenas mantem viva a vontade de sentir... a vontade de ser humana, a vontade de te ter.

20080412

Lisboa menina e moça ...


Tão languidamente congestionada estava mais uma vez a Rua da Lapa, num frenesim de carros que ai por volta das sete e tal, a tão bem dita hora de ponta, iam desaparecer. O movimento inestético que confere à cidade de Lisboa um tal abandono nocturno, que apenas deixa reservado a algumas zonas da cidade o gosto de usufruir do desfile de transeuntes por horas que se estendem pela noite dentro. Chamem-lhe o que quiserem, a cultura que já não dita à cidade originalidade nacional e desmotiva um certo valor social e vontade de libertar dentro de cada um que a habita, o despender do bolsinho das moedas em prol da dignidade da arte. Talvez seja até o sussurrar distante das varandas enferrujadas pelo tempo, que gritam a injustiça da velhice e o crime da falta da renovação. São os edifícios outrora esplendorosos, que conservam a sua arquitectura peculiar, deixando no sangue dos que cá estiveram, a vontade de cá voltar. É o fado de uma cidade meia esquecida, reservada aos caprichos de donos de escritórios da periferia insana. “Já não sabem o que é a revista” é capaz de dizer ali a vizinha da Madragoa, que passa os seus dias especada, olhando a rua meia cheia ora meia vazia, moendo a falta de jeito para ocupar as horas vagas e a recordação de uma outra Lisboa menina de que tanto fala. Molhos de rosas e cravos vendidos nas praças varridas pelo vento tardio da Graça, as retrosarias refinadas, que deixaram-se passar pelas lojas de roupa da tanto falada globalização, sozinhas e com freguesia já bem conhecida de há uns tantos anos arrastam-se nas compridas ruas da Baixa conformadas com os dias de melhora que nunca chegarão, uma toda desfiguração da Lisboa menina e moça que deu lugar a uma Lisboa velha e abandonada, esperando pelos próximos que a farão beijar o Tejo e a farão chorar um Fado ao som de uma boa guitarra portuguesa.

Vazio

Estou vazia,
não sei o que dizer,
já não sei onde ia,será porque está a chover?
É cobardia,
até preguiça,
culpar o tempo,
por tal injustiça.
Mais grave será,
culpar-te a ti,
queimar o tempo perdido,
por eu ser assim.

20080411

Bestiário

Chegaste sem avisar e deste-me permissão para criar um sonho. Eu, sem acreditar naquilo que via, deixei o coração bater com o passar do tempo. Imaginava parques e bancos de jardim, que mudavam de espaço, perfumava a casa e oferecia beijos ao ar, que misturavam o seu som com o oxigénio que respiro. Vivia a azáfama dos fluidos sentimentais, trancada num bestiário, rodeada de todos os outros prisioneiros, que esperavam que o destino tomasse conta da sua vida. Cega pela loucura deste sonho, não reconhecia as barreiras de tal prisão, e quando do lado de fora da jaula te vi a passar e percebi que não te podia agarrar entrei em pânico. Gritei, mas tu não ouviste, chorei, mas tu não sentiste as lágrimas que derramava, acenei, mas tu não reparaste. Finalmente, quando te vi contornar a esquina, apercebi-me que não valia apena, eu chorava por quem não me queria e tu estavas preso noutro bestiário, à espera de agarrar uma outra garça livre que se prendesse no teu olhar vago. Mais umas horas da minha vida que passei a pensar em alguém, horas como as outras, mais longas ou mais curtas, que poderiam ser passadas a fumar o charro, a olhar o Tejo, a falar do tempo ou quem sabe a olhar o céu. Só sei que apesar de tudo a desilusão doí e preferia percorrer esta cidade do teu lado e não ter que ver os casais, que felizes vêm o calmo Tejo, o único elemento deste quadro que leva na sua corrente o que sobrou deste sentimento, tumores cancerosos que gelam o meu sangue.