A Lisboa das 19 horas, é uma Lisboa de estação de metro, comboio e vias rápidas. Toda a gente se dirige para o mesmo sítio: casa.
Apanhei o comboio das 19:07, em Entrecampos, para Meleças. Na plataforma, estava um mar de gente apinhado e todos, como que ansiosos, olhavam para o seu lado esquerdo, em busca da frente do seu transporte. A senhora da CP, que deve ser esbelta e bem maquilhada, deduzo eu pela sua bela voz, anunciou a chegada do comboio: "Atenção senhores passageiros: o comboio sub-urbano CP Lisboa com precedência de Roma-Areeiro e com destino a Mira Sintra - Meleças, vai entrar na linha número 2. Obrigada pela vossa atenção. À entrada para os comboios tenha atenção às portas e à plataforma." Entra o comboio pela estação a dentro. Os passageiros lá abrem as portas, agora com uns botões accionados pelo toque, e entram. O comboio está cheio. Eu tento entrar a tempo de arranjar um lugar para ler o meu livro do Saramago, mas aparecem uns quantos furões rápidos que atingem os acentos antes que o diabo esfregue um olho.
Passam as estações e depois de já ter dado uma boa pisadela numa senhora que estava, tal como eu em pé, atrás de mim e de sandálias, chegamos à estação da Amadora. A bonita estação já com um verde, que antes brilhante, agora é baço e meio viscoso apresenta-se como qualquer outra estação da Linha de Sintra: não se percebe se está suja, ou se já foi construída assim. Quando chega a altura dos passageiros entrarem na carruagem, surge uma senhora idosa, com o cabelo desgrenhado, vestida de preto, cara tresloucada e com a língua meia de fora. Ao mesmo tempo, entra uma senhora de meia idade, vinda com com certeza do seu local de trabalho. A senhora idosa vislumbra um lugar livre que está virado na direcção do movimento do comboio. Insanamente rápida a senhora idosa faz uma ultrapassagem brusca e correndo alcança o lugar que pretendia. A senhora de meia idade senta-se à sua frente, meia aparvalhada.
"Ai, é que eu não consigo ir no comboio se não for virada para a frente." disse a senhora idosa meia sorridente, justificando a sua corrida e ultrapassagem desnecessária.
A senhora de meia idade, olha-a como quem não quer saber. "Só quero chegar a casa..." deve ter pensado.
Com cara de louca a senhora idosa abre a mala e começa freneticamente à procura de algo. Encontra o telémovel e telefona a uma tal de Júlia. "Oh Júlia! Eu deixei a chave na porta?" perguntou.
Mais uma senhora idosa que se esquece das chaves na porta, tal como mais uma senhora idosa que corre rapidamente para o lugar que mais lhe convém. Talvez bastava pedir à senhora de meia idade para trocar de lugares. Mas nunca se sabe, e por isso mesmo é que esta senhora idosa quis correr em vez de esperar pela simpatia de outra pessoa.
4 comentários:
Belo naco de prosa...
O que é feito de ti Ana? Andas desaparecida...
Muito bom post, estás criativa :)*
"Á entrada para os comboios tenha atenção á distância entre as portas e a plataforma." - Esta parte já é do homem sexy da cp ahahah
Bom texto!
Muito bom texto, gostei. :)
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